Paulo Tadeu: “Seria uma irresponsabilidade a esquerda de Poços não buscar uma união para 2024”

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Durante as eleições desse ano, o ex-vereador e prefeito Paulo Tadeu (PT) viveu dois grandes momentos:  acompanhar de perto a candidatura de sua filha Cacá D´Arcádia (PT) a Deputada Estadual e como presidente municipal do Partidos dos Trabalhadores se engajar na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Nessa entrevista para o site Coluna Bastidores ele faz um balanço sobre o processo eleitoral de 2022, diz que a atual administração municipal tem elementos fascistas e comenta a necessidade de união da esquerda para 2024.

– Qual a sua avaliação da campanha e do processo eleitoral de 2022?

O processo eleitoral no Brasil se deu em um ambiente mundial de fortalecimento das ideias e organizações de direita e extrema-direita. Eu costumo dizer que o mundo vive hoje um período muito semelhante ao que antecedeu a primeira grande guerra com mudanças geopolíticas, geoeconômicas e interesses geomilitares envolvendo grandes potências. Algumas dessas potências em ascensão e outras em franca decadência. Todo esse conjunto de fatores contribuiu para o fortalecimento dos nacionalismos e da xenofobia, por exemplo. Trata-se de um fenômeno internacional que tem também uma repercussão importante no Brasil. Especialmente a partir de 2012 quando vivemos um período de absoluta ilegalidade que culminou com o golpe parlamentar de 2016. Ainda como decorrência desse golpe, em 2018, retiraram um candidato competitivo através da judicialização da política no Brasil. Portanto, o que nós enfrentamos no período eleitoral de 2022 foi algo nunca visto na história do país.

– Não é a primeira vez que existe uma onda conservadora no Brasil. Na sua visão a que se deve o fortalecimento dessa nova onda de direita no país?

Ela tem uma relação com o que está acontecendo no mundo. Não se trata apenas de uma ideia que prospera. É uma ideia financiada. É uma onda reativa. Que por aqui reagiu a um período de governos progressistas. Em diferentes patamares, desde Itamar Franco tivemos governos semelhantes. Depois, o PT chegou ao poder e as políticas populares e de atenção aos mais pobres avançaram ainda mais. Isso causou incômodo.

– Na sua visão o acesso a direitos fez com que essa onda conservadora se fortalecesse no Brasil?

Sim. E isso acontece porque o capitalismo funciona dessa forma. A necessidade de concentrar recurso e renda no Brasil depende de o Estado prover recursos para o pagamento de juros exorbitantes e extorsivos que a elite econômica se apropria. Como tivemos um período de prosperidade para os mais pobres, inclusive sem detrimento desses setores aos quais me referi, isso foi visto como uma grande ameaça. Em 2014 todas as fichas foram apostadas na candidatura de Aécio Neves (PSDB) para a presidência. Como não houve êxito, partiram para o golpe. Inclusive com a participação do Supremo Tribunal Federal (STF). O que vivemos na eleição de 2022 é o ápice desse processo com o uso da máquina pública e das forças de segurança inseridas no processo de reeleição de um presidente de extrema direita. Esse enfrentamento não foi comum. Foi dificílimo. Matematicamente nossa vitória foi estreita. Do ponto de vista político foi extraordinária.

– Você considera essa a maior vitória do PT na história?

Considero como a mais importante. Ela vence uma etapa central na ascensão fascista no país. Isso não quer dizer que o fascismo deixou de ser uma ameaça. Como já disse Umberto Eco, “o fascismo é eterno”. Essa vitória interrompe uma escalada que viria com uma possível reeleição do atual presidente. Importante deixar claro também que se o uso de toda essa estrutura que comentei não foi suficiente para reeleger o atual Presidente, elas foram suficientes para a formação de uma bancada conservadora muito expressiva no Congresso. Garantiu também a eleição de governadores conservadores em determinados estados.

– Lula teve Geraldo Alckmin como companheiro de chapa e recebeu no segundo turno o apoio de políticos importantes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Esses movimentos mostram que o partido está mais aberto ao diálogo?

Com certa frequência o PT costuma ser interpretado pela postura de alguns setores mais radicais do partido. O PT nunca foi fechado aos acordos. Ele já foi seletivo sim e errou muitas vezes. Errou em 1989, por exemplo, quando não buscou o apoio do MDB no segundo turno. Naquela oportunidade, poderíamos ter vencido a eleição. Hoje temos um partido amadurecido e uma liderança com uma intuição política extraordinária. A escolha e o convite a Alckmin, algo impensável, tem um componente de intuição política muito forte.

– Você apoiou a escolha de Alckmin desde o início?

Sim, claro. Como apoiei a de José Alencar para vice em 2002. Costumo falar que a primeira vaia pública em defesa da candidatura dele eu recebi quando defendi a chapa em um encontro partidário aqui na cidade. Os partidos que formaram nossa coligação têm que ter maturidade para compreender a necessidade de se fazer um governo de composição. Isso não quer dizer que o PT tenha que submeter os nomes de sua escolha aos escrutínios das demais forças. Mas o partido tem que compreender a necessidade de se abrir ministérios para o União Brasil, algo impensável até então.

– Você concorda que essa foi uma eleição de extremos?

Totalmente. Para ser “anti” os extremos são mais competentes. Esses extremos têm uma linguagem mais simples e inteligível. Trabalham bastante com o senso comum. Inclusive a extrema esquerda. Eu costumo dizer que o arco político não tem forma de régua, mas de ferradura. Os extremos quase se encontram.

– Ao mesmo tempo em que você participou ativamente das eleições presidenciais em Poços de Caldas, você também viu sua filha (Cacá D´Arcádia) participar pela primeira vez de um processo eleitoral. Como se deu esse processo?

A gente não consegue deixar de lado a parte afetiva. Foi muito difícil separar o pai do político. Já a conheço muito, obviamente. Mas ela me surpreendeu. Acompanhei a campanha com bastante emoção. A Cacá fez uma campanha feliz e bonita. Impôs seu próprio ritmo. Nunca precisou se apresentar como minha filha. Foi uma grande experiência que a amadurece para novas perspectivas políticas.

– Você gostou do resultado?

Sim, gostei. A cidade teve muitos candidatos. A gente sabe que isso faz parte do processo. A primeira eleição que disputei recebi 200 votos. Por isso digo que o resultado foi digno. Os objetivos foram alcançados. Ela se tornou conhecida e obteve uma boa votação.

– Qual a sua análise do resultado das eleições na cidade a nível estadual e federal?

Em 1996 nós vencemos as eleições, mas não levamos. Foi uma eleição fraudada. Quando vencemos em 2000 e, enfim, assumimos a prefeitura, as forças políticas contrárias ao PT na cidade cuidaram de nos isolar da relação política com o nosso entorno. Ou seja, um determinado grupo trabalhou para blindar a região das eventuais influências políticas de Poços. Especialmente do Partido dos Trabalhadores que havia acabado de assumir o Executivo. Colocaram uma cerca para que não chegássemos aonde esse grupo já estava. O problema é que a região gostou disso e ao gostar, ela abriu possibilidades para que cidades de pequeno porte, por exemplo, passassem a ousar mais politicamente do que nós.

– Isso explica o fato de Ouro Fino e Andradas, por exemplo, terem elegido deputados esse ano?

Exatamente. Isso tem a ver com o isolamento de Poços. Para você ter uma ideia, quando o PT assumiu novamente a prefeitura em 2012 com o Eloísio do Carmo Lourenço (hoje no PSB), Poços não conseguiu sequer coordenar os territórios criados pelo ex-governador Fernando Pimentel. Esses territórios eram uma espécie de orçamento participativo criado pelo então governo de Minas Ferais. A cidade foi totalmente isolada. Nós temos que romper esse isolamento.

– Como se romper esse isolamento hoje?

Nó vivemos em uma cidade com um forte ativismo político partidário, o que é positivo, claro. Temos por aqui muitos partidos organizados. Apesar disso, nossa cidade não consegue mais falar para fora dos seus limites. Não que não queira. Apenas não consegue mais. Isso só vai ser rompido quando uma liderança conseguir se impor. Repito, se impor. E não se impor aos outros. Não é algo difícil.

– Existe hoje na cidade essa liderança?

Não. Essa liderança está vaga. Não há ninguém ocupando.

– O que falta para alguém ocupar?

Eu acredito que falta a percepção do fato. Eu acredito que essa liderança vá surgir no campo majoritário nacional. Não necessariamente do PT. Mas, talvez, dos partidos que dão sustentação hoje ao governo Lula.

– Você acredita em uma união da esquerda em torno de um único nome para a disputa majoritária de 2024?

Não só e possível como imprescindível. Nós não podemos deixar de reconhecer que perdemos na cidade apesar da vitória em âmbito nacional. E que perdemos de forma significativa. Por isso precisamos pensar na construção de uma unidade do campo de centro esquerda e, por que não, de centro direita, dentro dessa concepção de uma frente antifascista.

– Frente municipal antifascista?

Sim, há que se admitir que a gestão municipal atual reproduz elementos fascistas. Ela desinforma, não tem transparência, é autoritária, mente, não dialoga com os pobres, inventa e cria realidades paralelas. A atual administração municipal tem elementos claramente fascistas. Que podem até não ter origem numa concepção ideológica, mas em uma prática autoritária. Os elementos estão aí e de forma bastante clara. O que acabou se confirmando após o apoio incondicional por parte do prefeito à reeleição do atual presidente. Precisamos buscar uma composição de forças em um arco de alianças que tenha essa concepção antifascista. Para que nossa cidade possa recuperar seu espaço democrático, de tolerância, de valorização da cultura, dos movimentos populares e da educação. Seria uma irresponsabilidade a esquerda em Poços não buscar uma união para 2024.

– Como está o PT municipal hoje em questão de organização e militância?

Nós sofremos uma fratura muito grande com a saída de um grupo valoroso liderado pelo Eloísio. Isso foi muito impactante para nós. Mas não foi ruim para a cidade. Do ponto de vista político se criou uma força a mais com quem a esquerda pode dialogar. Antes era só o PT com as pequenas frações existentes. A reconstrução disso tem sido muito penosa, mas exitosa também. Hoje temos uma sigla organizada, com alguns setoriais funcionando, secretarias muito ativas e com uma participação muito forte das mulheres. Temos ampliado a base de filiados. Questões pendentes e legais foram resolvidas. O balanço do PT de Poços nesse final de 2022 é extremamente positivo. Aproveito para deixar claro que cometemos um erro grave em 2020 ao não termos tido condições de lançarmos uma candidatura majoritária.

– E por que isso aconteceu?

Alguns acontecimentos acabaram nos levando a essa decisão. O erro foi de não termos tido um candidato próprio e de não termos formalizado apoio a uma candidatura que mais se aproximasse da nossa visão, que era a candidatura do Eloisio, foi um erro grave.

– O que aconteceu para que esse apoio ao Eloisio não se concretizasse?

Foi uma discussão pouco madura. Na verdade, não houve discussão. Foi um atropelo. Tínhamos uma candidata (referência à ex-vereadora Ciça) que em determinado momento entendeu que deixou de ser viável. Essa saída de cena não permitiu que fizéssemos um debate acerca de uma necessidade e de uma responsabilidade política de compreender e perceber que embora tivéssemos naquele momento diferenças consistentes em relação ao Eloisio como político, que ele não poderia ser tratado como uma figura como o atual prefeito. Eloisio foi um bom administrador, fez um trabalho extraordinário. Um prefeito com diálogo e muito respeitoso.

– Qual o motivo de a candidatura da Ciça não ter se viabilizado?

A Ciça levantou na época uma série de razões para justificar sua desistência.

– Essa decisão partiu dela?

– Sim. Eu tentei mostrar que essas razões que ela levantou não correspondia à realidade. Mas ela não entendeu assim. Acredito que as razões tenham sido mais pessoais. Ela se sentiu insegura em relação ao apoio da Estadual e imaginou que deveria focar na sua reeleição como vereadora.

– Esse ano o PT em Poços teve dois candidatos a Deputado Federal: a Ciça e o vereador Diney Lenon. Como você enxergou esse movimento?

Eu conversei sobre isso com a Ciça logo após as eleições. Do ponto de vista estatutário, a candidatura foi legítima. O estatuto do PT deu cobertura para isso. Em 2018 ela recebeu seus 10 mil votos, portanto, trata-se de uma candidatura importante para o partido. Mas o encaminhamento foi errado. O presidente estadual do PT tratou o assunto de forma infantil e oportunista. Cheguei, inclusive, a falar isso diretamente para ele. Essa atitude criou uma grande dificuldade para nós. A Ciça poderia ter sido a nossa candidata. Pouca gente sabe que o Diney relutou em ser candidato esse ano. Se naquele momento ela estivesse dialogando conosco, poderia ter tido o nosso apoio.

– Como está a relação entre o PT e a Ciça hoje?

Ela está de volta. A Ciça nunca saiu, mas está de volta para o convívio partidário local. Ela é uma liderança experiente. Eu costumo dizer que nós, que militamos na esquerda, temos uma postura de enxergar muito os defeitos das pessoas que estão próximas e que só enxergamos qualidades em quem está mais distante. Isso é muito ruim. Precisamos entender que não há perfeição. Em quem está próximo, precisamos ficar com o que elas têm de melhor.

– Ela é um dos nomes do partido para 2024?

Se ela tiver esse desejo e disposição, não tenho dúvidas de que é sim. Já foi vereadora duas vezes. É um nome a ser considerado em qualquer circunstância.

– O que você espera e quer do Brasil para os próximos 4 anos?

Primeiramente consolidar uma compreensão da sociedade como um todo da importância e vigilância contra essas aventuras da extrema direita. Em segundo lugar, buscar dialogar com os setores que não estiveram conosco esse ano, mas que não estão vinculados ao atual projeto autoritário. No campo político administrativo, vejo os próximos dois anos com uma forte recuperação da economia e forte recuperação da máquina administrativa.

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Rodrigo Costa tem 40 anos e é jornalista com MBA em Comunicação Eleitoral e Marketing Político. Já atuou em rádios e emissoras de televisão de Poços de Caldas como a Difusora AM e a Transamérica FM. Desde 2016 também atua em assessorias de comunicação e coordenadoria geral de campanhas eleitorais.
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