Dmitry Galvão: Não são os tempos do imperador, os carrinhos ficam!

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Poços de Caldas está passando por um grave processo de despejo e expulsão de trabalhadores. Depois das e dos trabalhadores dos pontos turísticos terem sido despejados de maneira arbitrária e truculenta pela prefeitura, a ofensiva se voltou contra os carrinhos de lanche e comerciantes ambulantes da Praça Pedro Sanches.

Vários dos trabalhadores e trabalhadoras dos pontos, são já pessoas idosas e com mais de 40 anos de serviços prestados ao turismo da cidade, e foram descartados como se fossem lixo pela prefeitura do senhor Sérguo Azevedo (PSDB), para beneficiar única e exclusivamente, uma grande empresa familiar da cidade, que explorará os pontos turísticos de Poços por 35 anos, ou seja, até 2058.

O que acontece hoje em Poços de Caldas poderia facilmente estar em um capítulo de história da República Velha, também chamada de Oligárquica (1889-1930), mas as escolhas políticas e até mesmo “culturais” da atual prefeitura, indicam algo pior: um possível desejo de reviver e glorificar um passado ainda mais atrasado, o dos tempos de colônia (1500-1822)e do império escravocrata (1822-1889).

Não impressiona que uma administração que trata trabalhadores e trabalhadoras, muitos dos quais, idosos com truculência e desrespeito, tenha preferência tão grande na sua estética, pelo período em que vigorou a escravidão.

O abandonado projeto das “carruagens”, com características imperiais, a escolha de encenação de passeios de barões, coronéis e imperador (que só esteve na cidade uma vez) para retratar a história de Poços de Caldas, é sintomática do desconhecimento e desprezo pelas histórias construídas, ao longo de décadas e séculos, por mãos trabalhadoras, muitas das quais negras, e expressa o interesse por uma história contada por e para apenas os de cima.

É necessário questionar se na atividade “turismo em cena” promovida pela prefeitura e que encenará os ditos passeios, haverá algum ator ou atriz negro(a) e em quais papéis atuariam na comitiva do imperador e dos coronéis, e se é correto, em pleno 2023, promover um período tão infame da história nacional.

É a história contada pelos opressores, para continuar a beneficiar os “grandes”, as oligarquias, as famílias “tradicionais”, que acham que o Estado deve estar a serviço de seu lucro, custe os empregos, a História e a Cultura que custar.

São os poucos, que dizem que mais de 40 anos de trabalho de sol a sol, madrugadas adentro, trazendo reconhecimento positivo para a nossa cidade como a Cidade do Lanche, são “mamata”, e que há que se enxotar os trabalhadores para dar espaço a “outros”.

Esses, no que poderia ser considerado contraditório, aplaudem e promovem a privatização completa dos patrimônios públicos, materiais e naturais, turísticos por 35 anos. Cedidos para uma mesma única empresa, em troca de contrapartidas irrisórias perante o patrimônio adquirido.

Converter aquilo que é de todos em propriedade de um, em benefício de poucos e ainda dizer que é um grande negócio para todos, faz parte dessa lógica irracional.

Prejuízo dos trabalhadores e pequenos empresários, a esmagadora maioria da nossa cidadania que, desarticulada, não percebe a sua força.

Prejuízo de todas e todos que vêem na praça um espaço democrático, ao qual é possível ir e se alimentar bem, com a família ou amigos, nas tardes, noites e madrugadas, pagando um preço acessível.

Prejuízo de Poços de Caldas, se permitir que em benefício do lucro e de um projeto de cidade excludente, a sua história seja marcada pela ingratidão e truculência contra quem só contribuiu e continua a contribuir dia e noite para o seu desenvolvimento.

Nesse momento, é preciso que nos unamos contra as arbitrariedades e injustiças que estão sendo cometidas na forma dos despejos contra trabalhadores e trabalhadoras, dos pontos turísticos e dos carrinhos de lanche.

Nessa quarta feira, 15, às 15h, ocorrerá uma Audiência Pública na Câmara Municipal para, pela primeira vez, escutar formalmente a população sobre um projeto imposto, e que ameaça os empregos e o sustento direto de 150 famílias. E que pretende destruir também uma tradição cultural e turística de Poços com mais de 40 anos de história, para beneficiar única e exclusivamente grandes empresas e franquias e tornar o centro da cidade caro e inacessível ao povo.

A participação e solidariedade de todos e todas será fundamental, para mostrar que não deixaremos os nossos sozinhos perante injustiças, e que não aceitaremos nada menos que uma Poços de Caldas feita por e para poços-caldenses, trabalhadores e trabalhadoras.

Não se pode permitir que a prefeitura coloque centenas de pessoas no desalento, para benefício de uma “elite”, que sente falta dos tempos do império, quando tudo podia, e que deseja se apropriar das áreas “nobres” da cidade às custas do que é de todos, ou fruto do trabalho alheio.

Mais vale conhecer, seguir e colocar em cena o exemplo de Laudelina de Campos Melo, mulher, negra, poços-caldense e organizadora do primeiro Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Brasil, em 1936.

Pela volta dos trabalhadores dos pontos turísticos e pela permanência dos carrinhos de lanche, todos e todas à audiência, os carrinhos ficam!

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Dmitry Galvão é Cientista Social, formado pela UnB, e mestrando em Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/ UFRJ.
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