Cacá D´Arcádia: “Vitória da teimosia”

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Nesta semana, o Governo Federal lançou  o Plano de Afirmação e Fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI). O objetivo deste Plano é retomar os projetos originais que, apesar de terem sido abandonados e ameaçados nos últimos anos – sobretudo pelo Decreto 10.502 – completou, em 2023, 15 anos.

A cerimônia de lançamento foi marcada por muitos momentos emocionantes. Destaco a fala do jovem Francisco Wanderley para representar as famílias que insistem diariamente na Educação Inclusiva. Francisco, ainda criança, foi convidado a se retirar da escola e só não saiu por uma luta grande de sua mãe, que mostrou que não é a diferença que tira a dignidade dele estar na escola. E é graças ao Francisco e sua mãe que esse texto deixa de ser informativo e vira desabafo. Também é graças ao Francisco que este texto deixa de ser desabafo, para ser informativo.

O primeiro instrumento jurídico internacional a universalizar o direito à educação foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos  e, quarenta anos depois, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos ratificou o direito de toda criança à educação.

Na década de 90, muitas discussões foram realizadas com o objetivo de instrumentalizar cada vez mais os Estados para aderirem a um projeto inclusivo e justo. A  Declaração de Salamanca unificou os princípios, a política e as práticas da integração das pessoas com necessidades educativas especiais e o compromisso com a Educação para Todos, reconhecendo a urgência de ser o ensino inclusivo.  A Convenção de Guatemala afirmou que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas. A Carta do Terceiro Milênio determina que os direitos humanos de qualquer pessoa, em qualquer sociedade, deveriam ser reconhecidos e protegidos.

Neste contexto historio, o Decreto 3.956/2001, acolheu a Declaração de Salamanca exigindo uma releitura do processo de ensino do país orientando procedimentos no sentido de eliminar a discriminação e proporcionar qualidade de vida.

No entanto, foi em 2011 que  Decreto 7.612 ressaltou o compromisso do Brasil com as prerrogativas da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, ratificada pelo nosso país com equivalência de emenda constitucional. Foi com este Plano Viver Sem Limite que houve investimento  em recursos e serviços de apoio à educação básica, a implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, promoção de acessibilidade arquitetônica nas escolas, formação de professores para realização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a aquisição de ônibus escolares acessíveis. Além, claro, de formação das pessoas com deficiência ser prioridade para matrícula nos cursos do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), instalação de núcleos de acessibilidade nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e cursos de formação em Pedagogia, com ênfase na educação bilíngue – Língua Brasileira de Sinais (Libras)/ Língua Portuguesa –, e cursos de Letras/Libras em todas as unidades da Federação.

O decreto da exclusão, 10.502, freou muito mais que o investimento nas escolas do Brasil. Freou sonhos. Por sorte, ou por falta de escolha, a característica maior das famílias com crianças e jovens que precisam de Escola Inclusiva é a teimosia. E acho que aqui que começa meu desabafo.

Ensinar a partir de um mesmo currículo de formas diferentes é um grande desafio e isso deve ser reconhecido. Não ter respostas tempestivas é ter que lidar com a expectativa de uma turma uníssona que rui a cada aula dada

Entretanto, se desarticularmos cada sujeito e compreendermos a individualidade, é possível recriar métodos que atendam a cada um. E é neste momento que se observa que educar com plano individual é o que traz harmonia à sala de aula.

Do lado de cá, para além da ansiedade, a família tenta reorganizar a linha de raciocínio em um retrabalho desgastante, pois aposta, por teimosia, que a escola não é apenas um espaço de socialização. Cabe ressaltar que não existe amizade, companheirismo, inclusão onde não há afeto e compreensão por parte do educador. É o educador o maestro da inclusão escolar.

Ao longo destes anos, não foram raras as vezes que ouvimos a palavra “nunca”: do andar à matemática. Também não foram raras as falas como “a educação inclusiva é a parte mais feia da educação”, dita por uma autoridade, ou “pessoas normais entre aspas”, também dita por outra autoridade. Menos rara ainda é a pressão, o assédio, um eterno cabo de guerra em que nós já sabemos para qual lado a corda vai arrebentar.

Voltando ao caráter informativo, o Plano apresentado nesta terça possui 4 eixos: Expansão do Acesso à educação infantil e  investimento em atenção precoce; Ampliar o transporte escolar acessível e a acessibilidade nas escolas; Apoiar pesquisas sobre educação inclusiva e pesquisadores com deficiência; Investir na formação de professores de salas comuns, professores de Atendimento Educacional Especializado e gestores no campo da educação especial na perspectiva da educação inclusiva.

Em uma realidade em que 19,4% das escolas do país possuem nenhum item de acessibilidade e que 50% das escolas não possuem sequer um banheiro adaptado, investir deve ser a prioridade.

A tecnologia deve andar de mãos dadas com a formação continuada que permita observar as diferenças e singularidades de cada estudante para que seja criado um ambiente educacional acolhedor e democrático.

Insistir em paradigmas antigos, ultrapassados, que segregam crianças em atividades, que não acolhem as famílias, além de cruel é inconstitucional.

Receber lançamentos de programas como o Plano de Afirmação e Fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva é um alívio  e uma dose de esperança. É, também, instrumento de coragem para enfrentar os desafios nossos de cada dia.

Afinal de contas, sabemos que não ha Política Pública que resolva a falta de empatia. Por sorte, ou por falta de escolhas, somos teimosos.

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Cacá D'Arcadia tem 39 anos e é advogada, cientista social e escritora. Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) disputou uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 2022.
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