Fernanda Teodora: “Moção de repudio contra as moções vazias de sentido”

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Como profissional do Direito, os anos de atuação nas trincheiras do judiciário me levaram compreender, que muitas das discussões travadas em alguns processos judiciais, e em intermináveis debates na tribuna, são, ao fim e ao cabo ineficazes. Para o cliente, é mais sensato concentrar os esforços em detalhes não considerados pela parte contrária, ou então, pedir uma oitiva diretamente com o magistrado que conduz aquele processo.

Para além disso, é preciso traduzir a linguagem judicial, o juridiquês, o tecnicismo, em um formato de comunicação que seu interlocutor consiga entender, seja ele um juiz, desembargador, um chapa, ou um trabalhador rural. A linguagem não pode afastar as pessoas do seu propósito, que é o de comunicar, levar a mensagem, criar conexões.

Voltando nossos olhos à política local, para quem acompanha com alguma frequência as pautas discutidas em especial no legislativo, sem dúvida, em algum momento deve ter se deparado com alguma “moção” curiosa, avulsa, ou que simplesmente não guarda qualquer pertinência temática com o papel Constitucional delegado ao legislativo municipal. A distribuição feita pela Constituição da República, nos Art. 30 e 31 trata das competências municipais:

(…)

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;        (Vide ADPF 672)

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O rol elencado na Constituição é taxativo? Absolutamente não! Toda discussão é bem-vinda, desde que relacionada com a nossa realidade local. O objeto da crítica aqui, refere-se ao completo abandono do exercício da fiscalização dos atos do poder Executivo, para que as sessões se delonguem em intermináveis e maçantes discussões sobre temas que em nada agregam ao cotidiano dos cidadãos poços caldenses.

Qual o papel do vereador, enquanto fiscalizador dos atos do poder executivo? Qual a lógica de se discutir a prisão de Vladmir Putin na Câmara Municipal de Poços de Caldas? O que essa “moção” muda na vida da mãe trabalhadora que usa transporte público, e pede melhoria na qualidade dos veículos disponibilizados pela empresa concessionária?

Faz sentido que os contribuintes tenham cerceado o seu direito a um debate de qualidade, observando a boa técnica no âmbito municipal, para que a sessão se estenda em intermináveis e alongadas discussões afetas a pautas morais e de costumes, como aborto, ou descriminalização das drogas, temas, que nem de longe se inserem na competência legislativa municipal?

Para o servidor municipal da Educação, que não recebe o piso salarial estabelecido na Lei 11.738/08, ou para os profissionais da Saúde que aguardam o pagamento do seu piso salarial recém aprovado, há alguma pertinência temática com o protocolo de uma “moção” em repúdio ao Ministro Alexandre de Moraes?

O processo democrático pressupõe, que as partes envolvidas nas mais diversas instâncias dessa construção externem as suas preocupações, e sejam ouvidas por quem de direito. Nenhum ente federado é uma ilha, e é fundamental que as pessoas públicas que exercem a representação popular conheçam as dificuldades e as realidades locais. O que não é saudável, nem contribui ao debate público é que muitas vezes, o apego às preconcepções, convicções e dogmas podem turvar a visão, limitando em muito as discussões travadas em prol da sociedade.

As pautas, vazias de sentido, são, no fundo uma necessidade de sobrevivência política de quem as propõe, na falta de proposituras produtivas, instigantes e pertinentes, que se comuniquem com a realidade local. Elas acabam funcionando como traves, o que pode impedir a formulação de um entendimento claro e preciso da realidade que se desenha cristalina, diante dos olhos de todos.[i]

[i] Para quem tiver curiosidade em acessar algumas das moções aqui.

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Advogada trabalhista. Pós Graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC Minas. Membra da Associação de Líderes Comunitários. Membra do Comitê Popular de Lutas e filiada ao PT Poços de Caldas.
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